THERE'S NOTHING YOU CAN MAKE THAT CAN'T BE MADE.

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segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

É de felicidade

Ele me puxou pela mão, me perguntou se faríamos dar certo.

Me olhou com uma convicção invejável e eu, que já não queria esconder mais o que eu sentia, comecei a disparar tudo o que eu pensava.

- Você não sabe o quão pavoroso é saber que somos duas pessoas assim tão diferentes e que, mesmo essa sendo a nossa realidade, eu não consiga lidar com o fato de ser louca por você, de ficar assim um pouco mais a cada dia, e, de me perguntar o que vai ser de mim se tudo der errado.

Ele sorriu. Um dos sorrisos mais bonitos que já vi naquele rosto, que normalmente costumava ser tão sério.

Sorriu e me olhou com a ternura de quem queria me abraçar e me pegar no colo, como uma criança que acabara de fazer qualquer descoberta fascinante.

- Por que você tá rindo?

Ele sorriu de novo antes de me responder.

- Achei lindo o que você disse.

Em seguida, vi uma lágrima escorrer por seu rosto. Me desarmei completamente e apoiei uma das minhas mãos para enxugá-la.

- Não chora - Eu pedi.

Ele segurou minha mão e disparou ainda com um meio sorriso:

- É de felicidade.



terça-feira, 17 de novembro de 2020

Todos os ''quase'' que fazem de mim o que eu sou

Eu passei boa parte da minha vida acreditando ser desprovida de muitas habilidades.
Na 5ª série, fui uma das poucas meninas da minha sala que conseguiu ultrapassar todos os limites de nota baixa adquirindo um absurdo ''E'' numa prova de matemática, que conseguia ser ainda pior que o ''D'' - que de longe já era a nota mais vergonhosa que se poderia tirar.
Eu nunca fui a primeira em nada e levei um certo tempo para querer me tornar alguma coisa.
A única noção básica que sempre tive foi a de que eu queria ser feliz. E aceita. E esses dois desejos em conjunto às vezes pareciam impossíveis.
Eu desenhava bem, essa sempre foi uma qualidade. Mas o fazia por hobby. Porque era o meu jeito de expressar minhas emoções, ou de inventar uma roupa que eu adoraria vestir e que se desenvolvia apenas na minha cabeça. As vezes, criava estórias em quadradinhos inspiradas em personagens que eu adoraria ter coragem de ser.
Eu atuava bem, tinha um certo talento para artes cênicas e ainda assim custei a ingressar no teatro.
Inventava enredos de novelas e viver isso como realidade me parecia tão distante que eu guardava os melhores detalhes somente pra mim.
Eu não era a mais bonita e certamente me alivia a ideia de não ter sobrado qualquer foto da minha adolescência para reafirmar esse fato.
Aprendi violão com a minha mãe, mas não o suficiente para me tornar uma musicista. Não o suficiente para ser como ela.
Eu era eu. A garota que sabia um pouco de tudo e não se aprofundava em nada. A aluna nota ''B''. Porque buscar um ''A'' exigia demais de mim e eu sequer tinha concentração para tentar.
Eu era um pouco de tudo. A garota que sabia cantar, mas não o bastante para tentar carreira com isso. A garota que aprendeu a cozinhar o básico porque não tinha paciência para lidar com o fogão.
Só depois de muito tempo olhando pra quem eu era, percebi que saber um pouco de tudo me levou a entender que eu queria saber mais. E eu não poderia sem o mínimo entendimento. Se eu não soubesse todas as coisas que eu já sabia.
Ter certa aptidão para artes me transformou em um projeto de escritora e roteirista, e esse se tornou o meu grande sonho. Saber desenhar me levou para o campo da criação e do desenvolvimento de artes publicitárias, que não são as melhores que já vi, mas que estão cada dia mais bonitas, ganhando sempre um toque da minha personalidade.
Não tirei mais nenhuma nota vermelha em matemática porque nunca mais precisei entender equação de 2º grau - e sinceramente nunca a utilizei pra nada.
Não sou musicista, mas sou boa em tocar todas as minhas músicas preferidas.
Aprendi a ser eu com todas as minhas melhores ferramentas. E a não me menosprezar por isso. Ser eu sempre foi a meta e até onde eu posso ver, de uma forma muito particular estou sempre trazendo isso à tona.
Toda a sensibilidade que se pode esperar de uma ''pseudo-artista'' me trouxe compreensões que nem sempre são visíveis aos olhos dos outros. E eu me tornei quem eu sou.

Um pouco melhor que antes. Todos os dias.


segunda-feira, 26 de outubro de 2020

O sinônimo de amor é não desistir

- Eu não queria outra mulher, ela era quem eu queria e eu tinha certeza disso. Mesmo quando estava doente, eu não queria e não podia largá-la. Ela era a mãe dos meus filhos.

Após ouvir essas palavras vindas do meu pai, Kim apertou minha mão com firmeza e olhou nos meus olhos como quem diz ''eu faria o mesmo por você''.

Meu pai se orgulhava de mencionar sempre essa história. E eu passei a minha vida fixada à ideia de que comigo não podia ser diferente. Era um modo de entender que o sinônimo de amor é não desistir. Que antes de se tornar leve, o amor exige esforço, exige reconhecimento e exige, também, coragem.

Foi esse o amor que eu sempre recebi em casa, mesmo no auge da minha imaturidade adolescente, mesmo quando eu acreditava não ser compreendida, por estar ocupada demais tentando me achar em mim mesma e agindo com uma certa empáfia.
Mas mesmo depois de um desentendimento, bastava um simples ''você sabe que eu te amo'' e a intenção de melhorar as coisas, para que eu fosse perdoada e nunca deixasse de me sentir aceita.
Foram os muitos relacionamentos - ou bons e os que exigiram de mim uma força psicológica maior do que eu possuía na época - que me trouxeram o entendimento do que eu desejava ter na vida.

Que mais do que uma história bonita, eu queria uma história real. Eu queria ser amada pelo que eu era. 

E, de uma forma muito peculiar e nada comum - bem digna do tipo de pessoa que eu acredito ser - eu consegui isso.
De um jeito maluco, no meio de tudo o que eu estava buscando dentro de mim, eu me achei e achei a certeza que eu via na história que construiu a minha família.

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Ciranda de três

Eu era meio. E me tornei inteira.
Eramos inteiros. E depois nos tornamos um, mesmo sendo três.
E demos as mãos.
E cada um puxava o outro, quase como uma ciranda.
O que Paulo sente, eu sinto em dobro. O que Murillo sente, eu sinto por completo.
O que eu sinto, é perceptível à todos os dois. E assim caminhamos.
Sou eu. Que me torno dois. Que me faço em três.
Que termino num infinito perfeito e completo.
Três, que são dois e são um, mesmo sendo três outra vez. E novamente a ciranda que se encarrega do resto. 
Que nos faz girar.
E nós giramos juntos, até quando somos opostos.



segunda-feira, 27 de julho de 2020

Independência emocional

Você não acorda um dia proclamando a independência de si mesmo.
Não olha para o espelho e diz: ''À partir de agora eu sou livre.''
Por mais utópica ou romantizada que seja a ideia de liberdade, o primeiro grande passo é sempre aceitar que isso não acontece do dia pra noite.
Assim como totalmente improvável na historia do nosso país, a independência não vem só de um grito, de um momento de fúria.
O estopim sim. Esse vem do último suspiro, do despertar para o que deve ser mudado.
O restante vem somente com a maneira como você trabalha seus próprios pensamentos e reavalia todos os pesos das decisões que o trouxeram até aqui, e das infinitas repetições que se seguem até que você reconheça as falhas intrínsecas na sua personalidade.
Com esses vastos anos de experiência no âmbito emocional, eu hoje reconheço que a independência exige coragem de olhar pra si mesmo. Exige assumir as hipocrisias internas existentes e presentes desde os sentimentos mais simples ainda adquiridos na infância.
Abandonar a ideia de precisar efetivamente de alguém que seja o seu escudo, a sua muleta e assumir a posição de ''dono de si mesmo'' parece de longe algo a se aspirar, e nos dias atuais existem até mesmo tutoriais de como tornar essa prática mais aceitável ao nosso cérebro programado. Mas o maior dos desafios está nos dias em que o seu único e maior desejo é ter/ser de alguém e em reconhecer a linha tênue entre viver um amor ou atribuí-lo a qualquer outro tipo de dependência física e emocional.

quinta-feira, 25 de junho de 2020

O próximo salto

Quando me perguntaram se eu tinha absoluta certeza do que eu estava fazendo naquele momento, a minha resposta foi não.
Pela primeira vez eu não queria cultivar certeza alguma. A certeza era a possibilidade de me decepcionar se eu acreditasse naquilo e fosse enganada pelas minhas próprias noções. Ou se, no meio do caminho, um de nós dois simplesmente mudasse completamente de ideia.
Não ter certeza significava que pela primeira vez, eu estaria entregue ao momento presente, sem tantos pesos, sem tantas expectativas, sem sofrer compulsivamente por não ter realizado algum sonho que desenvolveria naquele meio tempo.
Era como subir as pedras da última cachoeira onde estive, olhar para a água, reconhecer a altura de onde eu me via e pular de uma vez, sem pensar demais.
Foi o que eu fiz no dia 30 de dezembro de 2019, quando um dos meus amigos do litoral me sugeriu pular abruptamente na água gelada da nascente.
Minha coragem ofuscou o meu medo de altura e todo o receio que eu tinha de não conseguir voltar à superfície depois do mergulho se foi quando eu me vi capaz de me encarar, de encarar o que eu queria.
Aceitar o convite de ir até um lugar que eu não conhecia, apenas pela graça de viver algo diferente, foi uma forma breve do universo me contar que coisas como aquela aconteceriam em grande escala no ano seguinte.
No dia 30 de dezembro de 2019 eu pulei da montanha de pedras em direção à água.
No dia 31 de dezembro de 2019, eu comecei a subir uma outra montanha sem ter a menor ideia de que um dia, talvez, eu também quisesse pular.

sábado, 6 de junho de 2020

Está tudo dentro de você - Um conto sobre a sabedoria de Alessandra

Ela me olhava. O mesmo olhar terno que eu normalmente encontro na minha mãe.
Prestava atenção no que eu dizia e, como quem reconhecia em mim algo que eu mesma ainda não via, disse sorrindo:
- Você está diferente.
- Eu? Diferente? - O meu questionamento vinha com a mesma ingenuidade de aceitar que eu não compreendia o motivo dela dizer aquilo.
- É. Você está mais... mulher.

Continuei curiosa prestando atenção no modo como ela me analisava.
- Não é a mesma menina do ano passado. Você está lidando de forma diferente com esse problema. Você cresceu.

Ela continuava sorrindo e me fitando. Depois, desviava os olhos e continuava a secar a louça, ouvindo cada uma das confusões que eu pontuava. Cada palavra era um detalhe e ela não deixava passar nenhum deles.
Refletia a cada uma das tantas coisas que eu despejava ali. Olhava para o lado como quem pensa num tipo de plano que possa ajudar a amiga e depois, disparava alguma de suas frases que parecem estar sempre conectadas ao universo.

Ela me fazia explicar cada ponto de todas as decisões que eu tomara até ali. E todas as possíveis confusões que havia me metido.
Avaliávamos o caos e tentávamos juntas pensar na solução.

- Não é como da última vez. Você agora lida de um jeito mais maduro e por isso, precisa confiar que o universo vai se encarregar do que fazer, assim como eu confio.
- Preciso é deixar de ser medrosa - Pensei em voz alta - Mas é tão difícil. Eu estava indo a passos lentos mas permiti que ele ressignificasse uma porção de coisas.
- Quando é que você vai entender? Não foi ''ele'' quem ressignificou nada. Foi você. Está tudo dentro de você!

Ela trouxe à tona algo que eu já sabia, mas que ignorava.
Em seguida, abriu a janela de vidro da cozinha, apontou para a lua cheia que se apresentava para nós e disse:

- Peça! Pense no que você quer. E peça! O universo sempre vai te escutar, se for o desejo do seu coração.

Olhei para o céu. Eu já sabia o que pedir.



quinta-feira, 4 de junho de 2020

O que eu faria pelo meu eu do passado

Assisto atualmente a uma infinidade de filmes que falam sobre a possibilidade de viagens no tempo. De voltar e corrigir as falhas.
De ser capaz de se enxergar como antes e se dar conselhos que o seu ''eu'' de agora talvez escolhesse seguir.
Quase que diariamente o questionamento ''O que você diria ao seu eu de (insira uma idade aqui)?'' ganha textos em redes sociais e a reflexão, que para a maioria das pessoas é praticamente a mesma: Eu gostaria de ter - ou não ter - feito algo.
Me pego olhando pra trás hoje com a leveza e a calma de saber que é impossível exigir do meu eu do passado a compreensão que tenho agora. Mesmo que eu pudesse voltar no tempo, jamais poderia impedir-me de errar e de insistir no erro. Porque afinal, só a partir disso viria a resolução que existe hoje e traz uma percepção tão grandiosa sobre a vida.
No entanto, não posso dizer que não tenho curiosidade em me assistir da forma como eu fui um dia.
Algumas coisas talvez eu quisesse adiantar no tempo. Talvez quisesse acelerar o processo que algumas delas levou para ocorrer.
O meu eu de agora me olharia sorrindo, pensando: ''Você nem imagina tudo o que ainda vai te acontecer.''
Veria o meu eu do passado e mesmo sendo incapaz de se comunicar, enviaria qualquer vibração de consolo e amor.
Se o meu eu de agora pudesse voltar no tempo, inclusive, eu correria para um dos encontros no Urbe Café numa das travessas da rua augusta e perguntaria ao garoto sentado à minha frente o telefone de um de seus melhores amigos.
Ou, provavelmente, me espremeria na multidão de um dos meus últimos festivais, procurando um par de olhos puxados que eu na verdade só viria a encontrar no último dia do ano de 2019.
Teria dito incontáveis ''nãos'' e mais um bocado de ''sims''.
E tudo isso para, no final, eu ser capaz de confiar nas minhas escolhas - não em todas, mas naquelas que faço usando toda a sabedoria do meu coração.
Essa talvez seja a minha forma de aprender. De reconhecer que eu posso confiar em mim mesma, embora só eu saiba o que eu daria para ter antes as pessoas que tenho agora.
Talvez o universo queira de mim tudo o que eu gostaria que o meu eu do passado fizesse: Confiasse.
Se eu pudesse voltar atrás com a consciência que tenho hoje pra me encontrar comigo mesma meses atrás, eu diria: Confia.
E é essa a mesma voz que eu ouço no meu íntimo.

É o que eu escuto quando me conecto com o Todo. E ele é imenso.

terça-feira, 26 de maio de 2020

Aprendi a respeitar as minhas cicatrizes

Desde criança, sempre fui impaciente com as minhas cicatrizes.
Mesmo ainda muito pequena, era incapaz de fitar as cascas das feridas do joelho por muito tempo sem que tivesse uma necessidade quase desumana de arrancá-las.
E era o que eu sempre fazia.
Eu não via possibilidade de entender que a casca da ferida era um modo de permitir que cicatrizasse de vez.
Para que o meu corpo não carregasse marcas escuras das tais cicatrizes, eu as tirava de mim. Elas, por sua vez, sangravam. As vezes, até mais do que eu imaginava que sangrariam. O machucado, que deveria se manter ali por breves semanas, insistia em se fazer presente por meses. E quanto mais eu arrancava as tais casquinhas que tanto me incomodavam, por mais tempo elas permaneciam em mim.
Demorei para compreender que aqueles hematomas faziam parte de quem eu era. E estavam compondo quem eu me tornaria um dia, bem como as quedas que ocasionavam todos eles.
Tropecei mais algumas tantas vezes. Ralei mãos, braços, joelhos e cotovelos. Mesmo não quebrando nada, mesmo permanecendo inteira.
As tais cascas continuavam a aparecer. E eu finalmente compreendi e as assumi.
Num dado momento da minha vida. Eu passei a não tentar removê-las.

Eu finalmente aprendi a respeitar as minhas cicatrizes.
- Eu te agradeço por me enxergar como enxerga.
- Não precisa me agradecer. Você é quem você é desde antes de me conhecer.


domingo, 10 de maio de 2020

Os jeitos de uma das minhas mães

Minha tia tem uma infinidade de trejeitos. Alguns característicos até demais.
E outros que fui descobrir me fascinar agora que sou oficialmente uma mulher.
Minha tia tem jeitos. Um bocado deles.
O jeito como gosta de passar pano na casa de dois em dois dias e de como isso também faz sentido pra mim agora que também vou ter a minha casa.
O jeito como ela aprendeu, ainda com a sua avó, a deixar a pia totalmente limpa - tão limpa a ponto de se poder comer ali.
O jeito como ela se emociona falando da própria filha, e de como me emociona todas as vezes que me diz que gostaria de fazer mais por mim, mesmo que eu saiba que o que ela entende por tão pouco, pra mim vem representando muito mais.
O mesmo tempero para todas as comidas. E ainda assim, uma qualidade quase mágica de nunca nos fazer enjoar.
O mesmo cuidado ao lavar as roupas.
A mesma maneira branda de conversar. E a risada, que mudou.
Mudou com o tempo, mudou porque ela hoje se vê mais leve, mesmo na dificuldade de às vezes se manter sozinha e contar com a própria sorte. E o esforço de sempre.
Mudou porque agora eu participo de suas noites de cerveja em casa, porque agora eu a vejo cantarolando músicas aleatórias.
Porque agora eu a vejo gargalhar. E quando não vejo, escuto. E sempre é bom.
Tão bom que me faz feliz.
Tão bom que eu agradeço por ter a ela e a todos os seus jeitos de me criar como a filha que eu sempre vou sentir que me tornei.

sexta-feira, 17 de abril de 2020

A felicidade mora num telefonema

Eu liguei para falar da vida, pra não falar de nada e pra contar tudo o que eu mais gosto de dividir.
Liguei e ao telefone eu ouvia meu pai rindo das piadinhas que continua fazendo às custas da minha mãe. As piadas que, de um jeito sempre cômico, a tornam um pouco mais feliz.
Eu, como sempre, me diverti ouvindo a dificuldade dos dois em conciliar o telefone, mesmo com a ligação em viva voz, a necessidade de sempre de um falar mais que o outro e ainda assim, como o casal que tem sua linguagem própria, sendo capaz de rir e me falar de suas rotinas que agora eram ainda mais simples dentro de uma quarentena.
Minha mãe, em tom de entregar as atividades do meu pai, enfatizou em um dado momento os últimos acontecimentos.
- É, Ju. Você sabia que o seu pai andou cantando esses dias? Colocou as músicas do Djavan em karaokê e ficou cantando aqui na sala.
Já cheia de orgulho eu quis desenvolver o assunto.
Ele, cheio de si e contraditoriamente envergonhado, me explicou com o seu olhar técnico de músico que nunca perde a veia artística:
- É, mas na verdade eu estava procurando os arranjos originais das músicas. Esses arranjos de karaokê são muito ruins.

Explodindo de felicidade pelo que eu acabara de descobrir, eu mencionei ter a minha música preferida (do djavan), a que carrego nesse pódio já desde muito pequena.
Ele me perguntou qual era e eu respondi: Rei do mar.

Em seguida, me pediu que cantasse um trechinho.
Eu iniciei a minha canção preferida e ouvi ele do outro lado da linha cantando comigo. Logo, ouvi a voz da minha mãe ao fundo - ela cantava também. Quando dei por mim, nós três estávamos cantando e eu só queria guardar aquele momento com tudo de mim que ele representava.

''Vou me perder no azul verde do mar, junto da manhã em busca da vida..."

Ele finalizou me dizendo que eu realmente a sei cantar. Naquela voz eu senti orgulho e agora já reconheço qual é o próximo plano artístico para concretizar quando estivermos juntos outra vez, depois que tudo isso acabar.

Que me importa a brisa fria, o brilho dos faróis,
Que me importa o fundo, a calmaria, o temporal,
Eu sou o rei, eu sou o rei, eu sou a rei do mar...




segunda-feira, 6 de abril de 2020

Avenida 9 de Julho

Eu passo pela portaria imaginando que o porteiro - que nunca dá bom dia pra ninguém - saiba quem sou eu e para qual dos apartamentos eu vou.
De uma forma um tanto pretensiosa, eu imagino que não existam muitas garotas ruivas (de farmácia) com cabelo curto e roupas como as minhas, que frequentem aquele edifício.
Sempre o mesmo elevador. E eu nunca deixo de pensar que pareço estar num prédio corporativo já que é grande demais para um prédio residencial.
Eu sempre me olho no espelho que me encara. É o que me faz ter noção das minhas imperfeições e do tamanho das falhas que aparentemente só eu encontro no meu rosto. E eu sempre reclamo de notá-las. E ainda assim, sempre escuto que continuo linda - Nem sei mais se eu acredito.
Sempre que adentro aquele apartamento de sabe-lá-deus quantos infinitos m², eu lavo as mãos no banheiro que, se fosse meu, teria uma banheira gigante - Também já pensei nisso uma porção de vezes.
Passo pela área comum dos garotos (não existe área das meninas, visto que nenhuma mora lá).
As garotas que surgem ali são praticamente todas passageiras e têm lugares específicos onde gostam de ficar.
Reconheço um deles como o meu preferido e onde eu me inclino pra ver o prédio da frente - que é o que eu mais gosto.
É nele que eu digo que vou morar, num dos apartamentos de cima com luzes leves e alaranjadas, cheio de plantas na sacada.
As vezes fico um longo tempo só olhando o movimento da rua e a forma como a arquitetura e as estruturas dos edifícios vizinhos parecem conversar entre si. E comigo, como se soubessem que eu adoro só olhar.
E admirar.
E mesmo indo embora no dia seguinte eu nunca me despeço por completo.
Talvez porque eu sempre acredite que mais tarde eu vou voltar.



segunda-feira, 30 de março de 2020

A dor e a delícia de ser uma eterna apaixonada

Me vejo carregando hoje o que eu considerava ser um peso quando entendia que paixão era a reação de uma pessoa à outra, a um possível destino em comum e aos laços afetivos que distorciam um pouco da realidade para que fosse mais fácil suportá-la.
Em vinte e oito anos de todas as experiências que eu adoraria relatar, apenas recentemente me vi capaz de compreender que eu sou, de um jeito exclusivamente meu e talvez até um tanto exagerado, uma eterna apaixonada.
Quisera eu dizer que pela mesma pessoa. Quisera eu fingir que a última pessoa que beijei será a última a quem eu vou me entregar.
Sei que não posso me cobrar e sequer me prometer isso. E é exatamente esse o motivo de não fazê-lo a ninguém.
Ser essa eterna apaixonada, cheia de falhas e de amores que me rasgam o peito e me ensinam a viver me parece nesse instante a maneira mais honesta de me mostrar ao mundo como eu sou de fato: uma sucessão de chegadas e partidas, de sentimentos que me tomam por inteira - mesmo quando tudo o que eu faço é me dividir entre eles.
Se antes qualquer paixão me causava desespero, hoje é só mais um motivo pra que eu me permita voar.
E eu sempre levanto voo.

Como já dizia Caetano: Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.



segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Porque o que eu sinto é amor

Quando me perguntaram o motivo de eu oferecer tanto apoio a alguém que escolheu sofrer uma outra dor, eu não sabia como explicar, mas sabia exatamente o que responder.

- Porque o que eu sinto por ele é amor.

E isso foge dos preceitos de amor romântico onde o apego nos torna incapazes de permitir que o outro voe para onde queira, sem interferência.
Amá-lo significa que, quando ele não puder mais suportar o peso de ser quem é, eu o farei. E o farei por ele. Eu o farei por amor. Por amá-lo como se ele fosse parte da minha família, como se o conhecesse há tempo demais para abandoná-lo.
Amá-lo significa que eu não preciso mais ter medo de dizer, pelo simples fato de saber que ele entende. Que ele também me ama. Como a pessoa que lhe mostra quem ele se tornou em essência.
Amá-lo como amo a minha melhor amiga, como amo as pessoas que nunca me deixaram pra trás. Amá-lo com todas as escolhas ruins que têm feito e com as tantas que ainda vai fazer.
Com todas as vezes que ele ainda vai se tornar indisponível. Com todos os momentos em que ele vai parecer inacessível. Com todos os segredos que ainda vou descobrir sem que ele precise me contar.
Amá-lo significa que eu também vou ensiná-lo a ser feliz.
E que vou poder retribuir todas as vezes que me senti inteira graças ao modo como ele me esclareceu essa verdade. E de tudo o que ele me entregou de bom até esse momento, de tudo o que ele me confiou com tanto zelo.

Porque o amor fraterno que eu cultivei finalmente cresceu. E os frutos são os aliviados imediatos que minhas palavras causam quando ele está mergulhado em sua própria tristeza.


quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Ansiedade romantizada

Puxou mais uma vez minha mão e apoiou no próprio peito. Ele normalmente faz isso quando a ansiedade fica latente e o coração dispara inesperadamente.
E isso eventualmente acontece quando eu me meto a falar sobre sentimentos.

As pupilas dilatam e voltam ao seu tamanho normal com a mesma rapidez com a qual ele pisca enquanto me analisa.
- Os seus olhos são tão bonitos - Eu menciono isso todas as vezes e me frustro comigo mesma por perceber que o meu elogio é sempre tão repetitivo e óbvio. Talvez eu devesse ser um tanto mais criativa ao falar de algo que me cause tamanha comoção.
Mas não consigo não fazê-lo desse modo.
E, por algum motivo, é assim que ele se acalma e os batimentos cardíacos se estabilizam.

- Não só os olhos - Eu me corrijo, ainda tentando encontrar as palavras certas enquanto me sinto completamente despida com a forma que ele tem de me olhar e me enxergar com tanta profundidade.

Acabo me perdendo no que eu ia dizer e ele sorri tentando descobrir mais sobre a minha breve aflição.
Quero dizer que eu o acho lindo. Isso eu também já repeti demais.
Minha maior questão é conciliar o que eu vejo tão perfeitamente desenhado e ainda assim saber que o que tem de mais fascinante nele é o coração. E eu posso afirmar: deve caber um mundo inteiro dentro dele.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Eu não minto há oito anos - Um conto sobre sinceridade agridoce

"Eu não minto há oito anos"
Dentre tantas frases que poderiam ter me marcado naquela noite de quarta-feira, a mais improvável e talvez mais impactante que eu ouvi nos últimos meses foi justamente essa.
Você já ouviu isso antes? Ou qualquer coisa parecida que caracterizasse toda a honestidade de alguém que, nem por educação, mente?
Tanta realidade exprimida numa frase tão simples e tão curta me causou um sério espanto e um deleite estranho.
- Por que você não mente? - Eu perguntei intrigada, sem conseguir desviar os olhos do rosto dele por um instante sequer.
- Porque é muito mais fácil viver sem ter que mentir. Poder dizer a verdade o tempo todo. Eu não minto para ser agradável, não digo gostar de algo que não gostei. E percebi que a vida fica melhor assim.

Tanta obviedade num ponto de vista tão justo. E eu continuava olhando-o como se ele fosse uma espécie incrivelmente rara.
- Gosto disso. Se você não mente, eu nunca vou precisar duvidar das suas respostas - Eu havia encontrado uma ótima maneira de estabelecer confiança na pessoa que eu acabara de conhecer pessoalmente - mas que, de algum modo, eu sentia conhecer há tempos.






quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Inquietação seguida de acalento

São olhos puxados. Mas não do mesmo modo. Com esses, eu não tinha qualquer familiaridade anterior. Esses, possuem uma beleza diferente. São de outra etnia. E já era esperado que eu me deixasse encantar.
Deixo que sejam esses os olhos a me seguir para tudo o que trago desse momento. Nada esses olhos me trazem que não seja inquietação, seguida de acalento.
As vezes os percebo me analisando, tomando de mim verdades que nem eu mesma assumo.
Me decifram e me calam. Quando me dou conta, já me perdi. Ele me escuta o tempo todo.
E guarda todas as memórias de tudo o que eu despejo como um jogo de palavras. Ele tem fascinação pelo meu modo de me expressar. Já vi essa fascinação exalando por aí, por isso, pra mim, as vezes é meio difícil acreditar.
Ele continua fazendo de mim uma leitura que eu não queria permitir, mas que permito sem nem mesmo exitar.

Por que ele ainda não se despediu?
Acho que a resposta é porque ele quer ficar.