THERE'S NOTHING YOU CAN MAKE THAT CAN'T BE MADE.

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terça-feira, 29 de março de 2016

Sorvete de limão - Um conto sobre Gustavo

Revirou-se a noite toda em sua própria cama.
Havia vindo de uma festa da empresa, onde bebera pouco mais de duas garrafas de cerveja. A temperatura baixa da bebida piorou a inflamação que vinha tratando na garganta desde o início da semana anterior. E em questão de algumas horas, Gustavo tremia em febre.
A inflamação tomara uma proporção maior, havia piorado drasticamente.
Gustavo tentara de todas as formas se livrar da terrível sensação que consumia seu corpo, mas não encontrava forças. Virara-se para o criado mudo e tomara um gole d'água de seu copo, colocado estrategicamente ali para sanar a sede da madrugada.
A testa suava, o corpo lhe parecia frio, quando na verdade estava completamente quente.
Sussurrou o nome dela.
E então lembrara-se da infância, da história que sua mãe adorava lhe contar sorrindo.

Pouco antes de completar 7 anos, Gustavo adoecera. Pegara uma catapora forte e ficara de cama por aproximadamente três dias.
Em um de seus tantos delírios febris, começou a pedir à mãe por sorvete de limão. Um delírio fraco e inocente, de um garoto que de tanto mal-estar só era capaz de fazer insistentemente o mesmo pedido.
Sorvete de limão era o que Gustavo mais desejava naquele momento. Que pudesse ter qualquer doce, que pudesse se deliciar com qualquer guloseima; a vontade de Gustavo era genuína e bastante sutil: Sorvete de limão.
O garoto passara minutos intermináveis apenas mencionando o seu desejo. A mãe, por receio de piorar a febre e o estado de saúde do garoto, não atendeu.

Gustavo agora sussurrava um nome, sabendo que seu pedido seria igualmente ignorado.
Chamava por Maria Clara. Dizia seu nome em alto e bom som. Há tempos não tinha coragem de pensar sequer em suas iniciais, que dirá dizer o nome todo.
"Maria Clara, que nome lindo", pensara ainda em estado febril.
Se recordava do sorriso dela. Do toque delicado de suas mãos, que sentia ser capaz de materializar naquele exato momento.
Se Maria Clara estivesse ali, se pudesse sentir a sua dor, o seu mal-estar, se muniria de todos os seus recursos para ajudá-lo. Mas ela não tinha sequer como imaginar. Não se falavam há meses. Ele tentara ligar algumas vezes e fora ignorado. Desistira.
Levantou com dificuldade de sua cama, colocou os chinelos de pano e caminhou em direção ao banheiro. Despiu-se de seu pijama e finalmente abriu o chuveiro. Controlou o registro manualmente para que a temperatura diminuísse ao máximo, pois se lembrara dos conselhos de sua mãe em casos de febre. Sentia frio, mas resistiu até onde pôde embaixo d'água. Sentia-se um tanto melhor após se secar o colocar novamente o pijama.
Voltara ao quarto.
Ao consultar o celular para se certificar do horário, vira a mensagem inusitada em sua caixa de entrada:

"A insônia sempre foi o pior dos meus distúrbios. E hoje me lembrei de você. Espero que esse ainda seja o seu número e que você esteja bem, eu gostaria que estivesse. Beijos, M. Clara."

Teria ela escutado o seu chamado? Seria ela capaz de receber a transmissão de um pensamento?
Gustavo agora sentia-se infinitamente melhor. Poderia dormir tranquilo.
Amanhã, sem falta, a procuraria outra vez.



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