Um dia, ela simplesmente parou de olhar-me nos olhos.
Justo ela, que era tão dona de si e tão mais dona de nós.
Posso afirmar que nunca pensei que ela desistiria de mim.
Mas, em algum momento, a preocupação com os afazeres domésticos, as pendências
financeiras, as fraldas sujas de nossa recém-nascida, as tarefas escolares
intermináveis de nosso filho mais velho, a sujeira da caixa de areia do gato e
toda a falta de tempo pra si mesma; a fez querer desistir de uma vida que vinha
sendo construída por mais de 19 anos, desde o momento em que a notei naquela
lanchonete, usando um casaco cinza claro que ainda está guardado - e que passou
por três mudanças de guarda-roupa sem que ela cogitasse jogá-lo fora.
Mas eu sei. A culpa, de certo modo, é minha.
Hoje ela me deu o ultimato que eu jamais esperei receber.
Ela me olhou nos olhos e disse que precisava de paz em sua vida. Uma paz que eu
não poderia oferecer mais.
Eu jamais poderia esperar que fosse dessa forma, mas ela
estava decidida, e eu não pude voltar atrás.
Foi justamente isso que me fez esmurrar a parede, gritar com
ela acusando-a de destruir nosso casamento e jogá-lo fora, e tudo que ela me
disse foi: Nós fracassamos. Eu não sou a única culpada deste fracasso. Não vou
e nem pretendo mais carregar esse peso comigo.
Ela foi irredutível. Mencionou que ser mãe, a essa altura,
teria sido muito mais fácil se eu a tivesse compreendido melhor. Enfatizou que,
por muitas vezes, se sentiu uma mulher sem valor e o mínimo que se deveria ter
de um homem era o carinho e o respeito. Coisa que, aparentemente, eu não
oferecia todas as vezes que berrava desnecessariamente por coisas supérfluas.
Me disse também que se olhara no espelho nas últimas semanas
e já não se gostava, não se aceitava e não se encontrava. Que ela teria
superado todos os nossos problemas – como sempre havia feito – se estivéssemos
realmente em sintonia, mas isso não acontecera.
Ela encheu os olhos d’água ao dizer que fui seu único amor,
e que esperou de todo o coração que pudesse envelhecer ao meu lado. Sim, ela
encheu os olhos d’água, mas não derramou uma gota sequer.
E quem chorou por dentro, fui eu.
Eu, que a amei e deveria ter deixado isso muito mais claro.
Eu, que a ignorei quando me conveio, que a magoei quando perdi as estribeiras e
que a enchi de presentes, que pra ela, na verdade, não significavam muito. Não
significam nada, agora.
Eu, que estou aqui pensando e dizendo a mim mesmo que sou
forte e que apesar de acreditar nisso, não me imagino sobrevivendo ao dia-a-dia
sem ter ela pra tirar a toalha molhada de cima da cama, ou pra me ligar, pra
não me deixar esquecer o pão de rosca da padaria do bairro – aquele que ela
tanto gostava de comer com geleia.
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