THERE'S NOTHING YOU CAN MAKE THAT CAN'T BE MADE.

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terça-feira, 26 de maio de 2020

Aprendi a respeitar as minhas cicatrizes

Desde criança, sempre fui impaciente com as minhas cicatrizes.
Mesmo ainda muito pequena, era incapaz de fitar as cascas das feridas do joelho por muito tempo sem que tivesse uma necessidade quase desumana de arrancá-las.
E era o que eu sempre fazia.
Eu não via possibilidade de entender que a casca da ferida era um modo de permitir que cicatrizasse de vez.
Para que o meu corpo não carregasse marcas escuras das tais cicatrizes, eu as tirava de mim. Elas, por sua vez, sangravam. As vezes, até mais do que eu imaginava que sangrariam. O machucado, que deveria se manter ali por breves semanas, insistia em se fazer presente por meses. E quanto mais eu arrancava as tais casquinhas que tanto me incomodavam, por mais tempo elas permaneciam em mim.
Demorei para compreender que aqueles hematomas faziam parte de quem eu era. E estavam compondo quem eu me tornaria um dia, bem como as quedas que ocasionavam todos eles.
Tropecei mais algumas tantas vezes. Ralei mãos, braços, joelhos e cotovelos. Mesmo não quebrando nada, mesmo permanecendo inteira.
As tais cascas continuavam a aparecer. E eu finalmente compreendi e as assumi.
Num dado momento da minha vida. Eu passei a não tentar removê-las.

Eu finalmente aprendi a respeitar as minhas cicatrizes.
- Eu te agradeço por me enxergar como enxerga.
- Não precisa me agradecer. Você é quem você é desde antes de me conhecer.


domingo, 10 de maio de 2020

Os jeitos de uma das minhas mães

Minha tia tem uma infinidade de trejeitos. Alguns característicos até demais.
E outros que fui descobrir me fascinar agora que sou oficialmente uma mulher.
Minha tia tem jeitos. Um bocado deles.
O jeito como gosta de passar pano na casa de dois em dois dias e de como isso também faz sentido pra mim agora que também vou ter a minha casa.
O jeito como ela aprendeu, ainda com a sua avó, a deixar a pia totalmente limpa - tão limpa a ponto de se poder comer ali.
O jeito como ela se emociona falando da própria filha, e de como me emociona todas as vezes que me diz que gostaria de fazer mais por mim, mesmo que eu saiba que o que ela entende por tão pouco, pra mim vem representando muito mais.
O mesmo tempero para todas as comidas. E ainda assim, uma qualidade quase mágica de nunca nos fazer enjoar.
O mesmo cuidado ao lavar as roupas.
A mesma maneira branda de conversar. E a risada, que mudou.
Mudou com o tempo, mudou porque ela hoje se vê mais leve, mesmo na dificuldade de às vezes se manter sozinha e contar com a própria sorte. E o esforço de sempre.
Mudou porque agora eu participo de suas noites de cerveja em casa, porque agora eu a vejo cantarolando músicas aleatórias.
Porque agora eu a vejo gargalhar. E quando não vejo, escuto. E sempre é bom.
Tão bom que me faz feliz.
Tão bom que eu agradeço por ter a ela e a todos os seus jeitos de me criar como a filha que eu sempre vou sentir que me tornei.