THERE'S NOTHING YOU CAN MAKE THAT CAN'T BE MADE.

THERE'S NOTHING YOU CAN MAKE THAT CAN'T BE MADE.

terça-feira, 31 de maio de 2016

Amizade sóbria - O depoimento de Natasha

"Eu havia voltado mais cedo da faculdade naquela sexta-feira. Menti para os meus avós dizendo que dormiria na casa de uma colega de sala. Tinha pouco mais de 18 anos, muita vontade de conhecer coisas novas e nenhuma ideia de como me livrar da dor de ter terminado a minha mais séria relação com um rapaz.
Desci do ônibus e caminhei por cinco minutos até chegar no apartamento de um dos meus melhores amigos. Rafa adorava dar festinhas, o fazia quase que diariamente. E naquela noite, eu decidi que queria beber.

Rafa era, de fato, muito popular. E o que deveria ser uma festa íntima, tornou-se uma reunião cheia de desconhecidos. Eu fui me entrosando. Conversava aos poucos com cada um dos rapazes ali, sem sequer conhecê-los. Entre um drink e outro, o alcool me subiu a cabeça e eu parei de raciocinar. Os rapazes envolta de mim, que antes se utilizavam de sorrisos para me ganhar, agora me puxavam pela cintura - um de cada vez - tentando usar dos meus delírios para conseguir de mim o que eu não tinha oferecido.
Eu me sentia zonza. Quase não sentia os dedos das mãos. O efeito dos drinks era mais forte do que o que eu me lembrava. Rodopiei pela sala, dançando, achando certa graça na minha condição, que me fazia parecer uma completa idiota.
Mas, o que eu não compreendia era que nenhum dos desconhecidos ali me via com essa mesma graça.
Um deles se aproximou de mim, tentando me dar um beijo. Eu recusei.
O outro, me puxando pela cintura, tentou dançar comigo. Eu me esquivei.
Rafa, já prestando atenção nos detalhes, foi incisivo com todos: Ela não está bem. Deixem ela.
Um dos amigos de Rafa que havia convidado a todos os desconhecidos da festa, argumentou que ele deveria ''deixar de ser troxa'' pois se eu havia bebido, deveria poder aproveitar escolhendo alguém ali - mesmo que eu não estivesse em condições de fazer qualquer escolha.
Essa é a última memória razoavelmente sóbria que tenho daquela noite.

Acordei no dia seguinte deitada num colchão no corredor do apartamento de Rafa, com ele deitado ao meu lado. Ligeiramente nauseada, chacoalhei Rafa lhe pedindo explicações do que havia ocorrido. Aos poucos, e antes que ele pudesse me explicar, fui tendo flashs da noite anterior.
Em um dos flashs eu me via ajoelhada com a cabeça em direção ao vaso sanitário, tendo Rafa ao meu lado, segurando meu cabelo enquanto eu vomitava e gemia de tamanha vergonha.
Um outro flash me trazia a imagem de Rafa me dando um copo d'água com gelo, e me cobrindo em seguida com um lençol azul.

Eu soube mais tarde, que Rafa, enfurecido, gritou com os rapazes e os mandou embora. Em seguida, encerrou a festa a todos os presentes e pediu que se retirassem.
Passou o resto da noite tentando me ajudar a vomitar para que eu me livrasse do mal estar e pudesse ao menos dormir. Colocou um colchão no corredor para que eu estrategicamente pudesse correr ao vaso sanitário caso fosse necessário. E tirou apenas os meus sapatos.
Eu estava intacta. Ainda era eu. Ainda era uma menina de 18 anos que resolveu beber demais. Ainda era neta dos meus avós. E não havia sofrido nenhuma lesão, nenhum aranhão. Nenhuma violação. Nenhum trauma,

Rafa foi o herói daquela noite."


sexta-feira, 20 de maio de 2016

- Eu já pensei que você fosse fruto da minha esquizofrenia.
- E se eu for?
- Eu dou graças a deus por ser esquizofrênico.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Ode a amizade que não se perde

- Olhe pra mim – Eu pedi. E ele simplesmente sorriu.

E eis que o par de olhos mais verdes que já vi me fitava novamente. E dessa vez, com uma certeza: Eu o compreendia.
Num universo de tamanho imensurável, com tantas facetas. Num planeta com 7 bilhões de pessoas. Num mundo cheio de amargura – da amargura que ele foi descobrindo – eu o compreendia. E existia uma parte de mim que pertencia somente a ele. A parte onde melhor guardei todas as boas memórias de toda a minha adolescência.
As minhas palavras lhe faziam sentido, mas não lhe faziam jus. Ele era bem mais do que eu poderia explicar. Ele era luz. E clarão. Era sonho. E realidade. Era como ter a sorte de ser ouvida por quem realmente queria todas as minhas frases.

- É exatamente isso – Ele me respondeu, talvez surpreso por eu adivinhar seus pensamentos e anseios.

Eis que a compreensão do óbvio me veio subitamente. Mais uma vez. E eu confirmei a mim mesma que nunca o abandonaria. Por carinho, cumplicidade, amor. E por fé.

Minha fé nele era firme.

domingo, 1 de maio de 2016

A carta do mais novo divorciado

Um dia, ela simplesmente parou de olhar-me nos olhos.
Justo ela, que era tão dona de si e tão mais dona de nós.
Posso afirmar que nunca pensei que ela desistiria de mim. Mas, em algum momento, a preocupação com os afazeres domésticos, as pendências financeiras, as fraldas sujas de nossa recém-nascida, as tarefas escolares intermináveis de nosso filho mais velho, a sujeira da caixa de areia do gato e toda a falta de tempo pra si mesma; a fez querer desistir de uma vida que vinha sendo construída por mais de 19 anos, desde o momento em que a notei naquela lanchonete, usando um casaco cinza claro que ainda está guardado - e que passou por três mudanças de guarda-roupa sem que ela cogitasse jogá-lo fora.

Mas eu sei. A culpa, de certo modo, é minha.
Hoje ela me deu o ultimato que eu jamais esperei receber. Ela me olhou nos olhos e disse que precisava de paz em sua vida. Uma paz que eu não poderia oferecer mais.
Eu jamais poderia esperar que fosse dessa forma, mas ela estava decidida, e eu não pude voltar atrás.
Foi justamente isso que me fez esmurrar a parede, gritar com ela acusando-a de destruir nosso casamento e jogá-lo fora, e tudo que ela me disse foi: Nós fracassamos. Eu não sou a única culpada deste fracasso. Não vou e nem pretendo mais carregar esse peso comigo.
Ela foi irredutível. Mencionou que ser mãe, a essa altura, teria sido muito mais fácil se eu a tivesse compreendido melhor. Enfatizou que, por muitas vezes, se sentiu uma mulher sem valor e o mínimo que se deveria ter de um homem era o carinho e o respeito. Coisa que, aparentemente, eu não oferecia todas as vezes que berrava desnecessariamente por coisas supérfluas.
Me disse também que se olhara no espelho nas últimas semanas e já não se gostava, não se aceitava e não se encontrava. Que ela teria superado todos os nossos problemas – como sempre havia feito – se estivéssemos realmente em sintonia, mas isso não acontecera.
Ela encheu os olhos d’água ao dizer que fui seu único amor, e que esperou de todo o coração que pudesse envelhecer ao meu lado. Sim, ela encheu os olhos d’água, mas não derramou uma gota sequer.

E quem chorou por dentro, fui eu.
Eu, que a amei e deveria ter deixado isso muito mais claro. Eu, que a ignorei quando me conveio, que a magoei quando perdi as estribeiras e que a enchi de presentes, que pra ela, na verdade, não significavam muito. Não significam nada, agora.

Eu, que estou aqui pensando e dizendo a mim mesmo que sou forte e que apesar de acreditar nisso, não me imagino sobrevivendo ao dia-a-dia sem ter ela pra tirar a toalha molhada de cima da cama, ou pra me ligar, pra não me deixar esquecer o pão de rosca da padaria do bairro – aquele que ela tanto gostava de comer com geleia.