THERE'S NOTHING YOU CAN MAKE THAT CAN'T BE MADE.

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terça-feira, 28 de outubro de 2014

Eu me lembro

Me lembro de entrar por aquela porta e te olhar através do vidro.  Lembro ainda de ficar paralisada por um momento, logo depois de fitar o seu riso. Você se entretinha em meio às suas baquetas e ao som que vinha delas. Parecia não me ver.
Me lembro que a minha empatia foi tão imediata que me senti terrivelmente constrangida por ela, com medo que alguém mais notasse que eu -  a garota nova ali - estava encantada por alguém que sequer havia me correspondido com o olhar.
Mesmo assim, me sentei, vesti minha sarcástica cara de indiferença e fingi prestar atenção em todas as outras conversas do compartimento externo do estúdio.

Você terminou suas músicas e obrigações daquela noite para com a sua até então banda, e saiu de dentro do estúdio, quase me colocando em choque. Em milésimos de segundo pude pensar em uma porção de coisas diferentes e assustadoras, sobre como ser testada pelo destino pouco depois de perceber que você era ainda mais bonito sem a interferência do vidro.
Você me olhou. Sem qualquer ar de cobiça. Sem qualquer pretensão. Apenas me fitou.
Em seguida, foi gentil. Assustadoramente gentil e discreto. 
Se aproveitou dos artifícios do estúdio e abriu as caixas de som enquanto eu cantava do lado de dentro. 
Me lembro de me sentir tortuosamente lisonjeada e corar feito uma criança. 
Me lembro ainda da sua forma sutil e divertida de me fazer sentir parte de tudo aquilo, como se já houvesse lugar ali pra mim. Ousaria dizer, inclusive, que talvez estivesse esperando por mim, guardando o meu lugar na sua vida.

Ao final da noite, eu me despedi. Foi assim que ganhei o nosso primeiro abraço.
E foi assim que eu vi que a vida colocou você pra mim, ali naquele domingo de outubro. 
Por isso eu sei de cada luz, de cada cor de cór, pode me perguntar de cada coisa, que eu me lembro.

Eu me lembro.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Em 10 de outubro de 1990...

Em 10 de outubro de 1990, ela partiu. Foi embora do que pensou que seria seu lar até o fim da vida. Levou uma trouxa de roupas e sua estimada e preciosa máquina de costura. E assim, deixou tudo pra trás. Foi tomada pelo medo, pela incerteza e, ao mesmo tempo, por uma felicidade inusitada. À partir daquele momento, ela experimentaria um sentimento que havia levado anos para descobrir: A liberdade de um amor. Amor esse, tão intenso quanto o imenso céu, que ela mesma disse viver como se tudo dela fosse. Ele, que já não tinha nada, poderia enfim considerar a sorte da tê-la, enfatizando anos depois, que jamais pensaria em encontrar ou merecer mulher tão extraordinária. Ele descobriria ser capaz de amá-la muito além do amor que se mostrara ali. Descobriria mais tarde, que ser humano nenhum no mundo poderia fazê-lo completo da forma como ela fazia. Ele, mais tarde, enfrentaria as adversidades da doença que a dominaria, e contaria aos filhos a verdadeira concepção do amor. Ele seria o herói de sua própria história, ainda quando tivesse certeza de que não passava de um mero coadjuvante. Eles, juntos, enfrentariam o mundo. E deixariam a inspiração de um legado de sabedoria, amor e lealdade à filha mais velha e ao caçula. Após vinte quatro longos anos, eles provariam ao mundo que aquela fuga - digna de um filme - seria a chave da história de amor mais bonita que se poderia contar.