Me lembro de entrar por aquela porta e te olhar através do
vidro. Lembro ainda de ficar
paralisada por um momento, logo depois de fitar o seu riso. Você se entretinha
em meio às suas baquetas e ao som que vinha delas. Parecia não me ver.
Me lembro que a minha empatia foi tão imediata que me senti
terrivelmente constrangida por ela, com medo que alguém mais notasse que eu - a garota nova ali - estava encantada por
alguém que sequer havia me correspondido com o olhar.
Mesmo assim, me sentei, vesti minha sarcástica cara de
indiferença e fingi prestar atenção em todas as outras conversas do
compartimento externo do estúdio.
Você terminou suas músicas e obrigações daquela noite para
com a sua até então banda, e saiu de dentro do estúdio, quase me colocando em choque. Em
milésimos de segundo pude pensar em uma porção de coisas diferentes e
assustadoras, sobre como ser testada pelo destino pouco depois de perceber que
você era ainda mais bonito sem a interferência do vidro.
Você me olhou. Sem qualquer ar de cobiça. Sem qualquer pretensão. Apenas me fitou.
Em seguida, foi gentil. Assustadoramente gentil e discreto.
Se aproveitou dos artifícios do estúdio e abriu as caixas de som enquanto eu cantava do lado de dentro.
Me lembro de me sentir tortuosamente lisonjeada e corar feito uma criança.
Me lembro ainda da sua forma sutil e divertida de me fazer sentir parte de tudo aquilo, como se já houvesse lugar ali pra mim. Ousaria dizer, inclusive, que talvez estivesse esperando por mim, guardando o meu lugar na sua vida.
Ao final da noite, eu me despedi. Foi assim que ganhei o nosso primeiro abraço.
E foi assim que eu vi que a vida colocou você pra mim, ali naquele domingo de outubro.
Por isso eu sei de cada luz, de cada cor de cór, pode me perguntar de cada coisa, que eu me lembro.
Eu me lembro.