terça-feira, 8 de julho de 2014
A arte da hipocrisia no país do futebol
Eu nunca me considerei patriota. Eu nunca fui de fato patriota. Eu não vesti a camisa da seleção brasileira em nenhum dos jogos. Eu não me preparei, não esperei ansiosamente por ver a seleção entrar em campo. Eu não acompanhei assiduamente a Copa do Mundo. E nunca entendi a fascinação alheia por um esporte que nunca compreendi totalmente.
Meu nome é Julia Gonçalves Pedro, 22 anos. Nascida e criada em São Bernardo do Campo - SP. Estudante de escola estadual integralmente, e bolsista do único curso de graduação que consta no meu currículo, até o presente momento. Usuária e dependente de transporte e serviço de saúde públicos.
Meu pai, Marcos Rogério Pedro, nunca me ensinou nada sobre esportes, ou sobre o futebol em si. Ele, inclusive, sempre foi o tipo de pessoa que dorme durante a maioria dos campeonatos e perde quase todos os jogos que o resto do mundo poderia considerar importante de algum modo. Ele mesmo nunca me ensinou a ter um time para torcer, ou compreender o sacrifício de muitos que se esforçam pra chegar numa posição de sucesso nesse meio.
Meu pai, homem trabalhador, digno e consciente, nunca entendeu a minha escolha por um time como o Santos - tão distante de tudo o que eu sabia sobre futebol. Mas, essa foi a minha escolha no auge dos 16 anos e desde então me mantive fixa na ideia de não ser convencida a torcer por nenhum outro time. Nunca entendi bem a fascinação de amigos, colegas e familiares, que torciam desesperadamente e tentavam me convencer de que o meu time nada tinha a ver com o restante de escolhas coerentes.
Pois eis que por ironia do destino, me envolvi e assumi relacionamento com o garoto mais louco por futebol que já conheci. Ele - que muitas vezes deixou planos pra trás apenas pra se dedicar ao seu momento preferido: assistir aos jogos independente de qualquer coisa - passou a me ensinar tudo o que sabia sobre o esporte, me envolvendo em ideias justas sobre marketing de time e contratações, me explicando os mínimos detalhes para que eu não me perdesse vendo a um jogo e não acreditasse em tudo o que me fosse dito.
Por uma ironia muito maior, passamos nossa primeira Copa do Mundo juntos.
Criticamos juntos as mesmas pessoas que meses antes iam às ruas para protestar contra a Copa, para criticar os "Padrões Fifa"; e que agora se pintavam de verde-amarelo para torcer com #vaibrasil #rumoaohexa e todas aquelas hipócritas hashtags.
Hipócritas, de fato. Pois 80% delas vinha de pessoas que não compreendem o sentido de torcer por um campeonato ou por uma seleção. Pessoas essas incapazes de oferecer apoio a um outro num momento de tristeza e perda de título. Pessoas que acham a queima da bandeira nacional um ato justo e digno "visto que a seleção não nos representou devidamente no jogo tomado de lavada pela Alemanha".
Curioso que eu, alguém que nunca gostou de fato de futebol - e que tenha até me irritado em algum momento com a assiduidade com que fui obrigada a ver jogos com meu namorado - tenha agora o sentimento de revolta para com todos os outros que questionam a atual seleção brasileira de forma tão rude e desagradável.
Mais curioso ainda é que eu venha por meio desta, me manifestar sobre toda a hipocrisia que se segue à partir daqui, da perda, justamente para não perder a cabeça discutindo ridícula e estupidamente com pessoas que não entenderiam tal ponto de vista.
Curioso que eu tenha roído as unhas nos momentos de maior aflição desta Copa, que tenha desejado o título, sem, é claro, usar isso de "Pão e Circo" para me alienar ou mudar minha visão política do país.
Curioso que eu tenha entendido a escala e montagem tática falha de Luis Felipe Scolari, e que ainda assim tenha me emocionado de verdade com as palavras de David Luiz ao final do jogo dos 7x1.
Curioso que todos os verde-amarelo agora estejam "com vergonha de seu país" e fazendo piadinhas banais às custas do lamentável resultado. Pessoas essas que montaram banquetes, promoveram churrascos e se aproveitaram de todas as regalias que o evento da Copa do Mundo proporcionou.
Curioso que eu admire - e muito - o jogo e a destreza da Alemanha em campo e não tenha nada a questionar sobre isso.
Cumpri e cumpro os meus deveres como cidadã do país. E lamentar pelo fracasso não me torna menos digna.
Eu de fato sofro e lamento por este país, de uma seleção que não jogou devidamente, que não pôde representar devidamente. Mas lamento muito mais por uma nação inteira que não sabe votar, uma nação que não sabe torcer e muito menos perder. Uma nação que não apoia quem estiver contra o que lhe for exigido e que, ao mesmo tempo, se fecha e se desinteressa por questões tão mais urgentes. Eu de fato lamento por uma torcida que vaia o seu time - mesmo quando este não lhe dá pleno orgulho. Eu lamento por tudo o que vi e por tudo o que li na última hora, dentro e fora das redes sociais. Eu lamento saber que o vizinho aqui ao lado quis por fogo na própria camisa verde-amarela, a camisa que beijou na semana passada, no jogo que eliminou a artilheiro da Copa - da Colômbia.
Eu apenas lamento.
Meu nome é Julia Gonçalves Pedro, 22 anos. Brasileira. E eu tenho o direito de lamentar, pois estou aqui, incapacitada de voltar pra casa, por já ter ouvido todos os buchichos de que a violência por conta da perda no jogo está terrível, e que é possível que eu me machuque. Tudo porque a nação não sabe perder.
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